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A LEGISLAÇÃO

A atual legislação brasileira prevê a legalização da profissão de prostituta, porém proíbe qualquer forma de negócio relacionado ou facilitação do programa. É o que explica Ana Rita Souza Prata, Defensora Pública do Estado de São Paulo e coordenadora auxiliar do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM): “Atualmente a prostituição é uma atividade legal no Brasil. Inclusive é considerada uma ocupação pelo Ministério do Trabalho e Emprego, na Classificação Brasileira de Ocupação, sob o número 5198-05. Essa forma legalizada de prostituição é aquela sem intermediários, uma vez que tirar proveito – de qualquer forma – da prostituição pode ser caracterizado crime. Isso significa que manter casa de prostituição, viver às custas ou induzir alguém a essa profissão é ilegal – crimes previstos nos artigos 228, 229 e 230, do Código Penal”.

 

Portanto, segundo os olhos da lei, casas de prostituição podem ser consideradas lugares onde ocorre facilitação e exploração sexual. “A casa de prostituição pode existir desde que não haja lucro a custas da profissional do sexo. Melhor explicando, caso as mulheres se organizem e abram um local para oferecer seus serviços nada há de errado nisso. No entanto, o que se vê na realidade são casas mantidas por terceiras pessoas, que ficam com lucros das profissionais. Nesses caso há crime”, explica a coordenadora do NUDEM.

 

 

PROJETO DE LEI GABRIELA LEITE

O deputado federal Jean Willys redigiu em junho de 2012 o Projeto de Lei 4211/2012, mais conhecido popularmente como Projeto de Lei Gabriela Leite, em homenagem à profissional do sexo que militou, quando viva, pelo reconhecimento e desmitificação do ofício.

 

O objeto central da proposta é esclarecer legalmente as distinções entre a prostituição e a exploração sexual, de forma que o primeiro seja legalizado e o último, banido. Para isso, conceitua-se os termos: prostituição é o trabalho voluntário, no sentido relacionado à espontaneidade e contrário à imposição ou ao constrangimento, e remunerado, obrigatoriamente, de pessoas maiores de 18 anos que prestam serviços sexuais; enquanto a exploração sexual se manifesta pelo serviço de menores (já tipificado como crime hediondo pelo Código Penal) ou pessoas não capacitadas, pela apropriação total ou maior que 50% do rendimento da atividade por um terceiro, pelo não pagamento do serviço ou pela manutenção não espontânea de alguém sobre a prática mediante ameaça ou violência.

 

Com os conceitos uma vez diferenciados, o projeto pretende garantir a esses trabalhadores, marginalizados e condenados por questões morais sociais, assistidas pelo descaso do Estado, o acesso à direitos elementares e ao serviços como saúde, segurança pública e previdência social, não de forma a estimular o crescimento da profissão, mas de garantir a dignidade e redução de riscos aos já inseridos nela, geralmente culpabilizados de qualquer violência que lhe ocorram.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“As vantagens seriam justamente a possibilidade da profissional do sexo se desvincular dessas situações de exploração e violência, uma vez que hoje se sabe que, na prática, a mulher profissional depende de uma pessoa – normalmente cafetão – para conseguir exercer seu ofício, haja vista ele ser amplamente desmoralizado, apesar de legal. Ainda, os direitos trabalhistas e previdenciários serão melhor regulamentados com a legalização”, explica Ana Rita.

 

Trabalhando sobre condições desgastantes, os profissionais ficam expostos à doenças graves, como HIV/Aids,  e encaram o envelhecimento precoce, diminuindo o tempo de atuação da atividade. Para isso, o projeto prevê o direito à aposentadoria especial de 25 anos, nos termos de lei já vigente desde 1991.

O profissional da área poderá prestar serviço como 1. trabalhador autônomo ou 2. coletivamente em cooperativa, no que se conhece como casa de prostituição (e não as casas de exploração sexual, seguindo as distinções já explicadas). Essas casas, seguindo as condições dignas de trabalho, poderão ser fiscalizadas (de forma a reduzir o número de policiais corruptos que colaboram com a exploração sexual através do silêncio em troca de propina) e, com isso, poderá se garantir melhores condições de trabalho.

 

Na data de publicação desta reportagem, a última atualização da tramitação do Projeto de Lei datava fevereiro de 2015 quando a proposta havia sido desarquivada após requirimento enviado por Jean Willys como resposta à anterior arquivamento em janeiro do mesmo ano, após rejeição relatada pelo deputado Pastor Euric (PSB – PE)o sob justificativa de “que esse indivíduo com plena liberdade de escolha diante da prostituição não existe. Todo pessoa age conforme as condições que enfrenta e a cultura onde está inserido. A chamada “opção” pela prostituição é resultado de um fenômeno social muito maior hoje, que é conduzido, na verdade, pela lógica da indústria do sexo. O ingresso e permanência na prostituição não constitui simples ato individual. Quem se prostitui, além de considerar as oportunidades que tem na vida, depende de toda uma cadeia que vai desde a oportunidade de encontrar “fregueses” em bares, boates ou em ruas onde há certa tolerância da sociedade, até a concretização da dita prestação do serviço em hotéis, motéis e similares… O prestador de serviço sexual tem dificuldade em se manter no ramo sem essa rede à sua volta, principalmente considerando que o perfil da maioria dessas pessoas é de baixa instrução e renda”.

 

A MERCANTILIZAÇÃO

Existem, contudo, muitas correntes contrárias a regulamentação da profissão de prostituta e ao PL Gabriela Leite. Correntes feministas argumentam que a regulamentação estimularia a mercantilização do corpo da mulher. É o que afirma a feminista, psicóloga e coordenadora da Sempreviva Organização Feminista (SOF), Nalu Faria, em um artigo publicado no site da Fundação Heinrich Böll, uma organização política alemã sem fins lucrativos. Para Nalu, a comercialização do corpo feminino em países como o Brasil, onde é muito comum a prática do turismo sexual, é ainda mais provável.  “Ao contrário de promover os direitos e a autonomia econômica das mulheres, o projeto visa suprir uma necessidade da indústria sexual, que juntamente com as grandes corporações, buscam utilizar o corpo das mulheres para faturar altos montantes em grandes eventos como a Copa do Mundo”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Esquina da Rua Augusta mostra pichação ofensiva sobre prostitutas                  foto: arquivo pessoal

 

 

Além disso, a feminista argumenta que o Projeto de Lei simplifica uma realidade muito complexa, onde se ignora todo um sistema para dar voz a comportamentos individuais. A proposta leva em conta as escolhas pessoais do indivíduo, mas não leva em conta as relações de poder envolvidas.

A Marcha Mundial das Mulheres tem uma posição semelhante. Em um texto publicado no blog do movimento, a militante mineira Clarisse Goulart Paradis aponta outro ponto problemático: a categorização da exploração sexual. Segundo ela, a proposta de lei “legaliza o ‘cafetão’ como essa terceira pessoa que apreende até 50% do valor do programa, algo que ainda não era formalizado no contexto brasileiro e deturpa a ideia de exploração sexual”.

 

Ao separar a prostituição da exploração sexual, aquilo que é feito de forma livre, do que é forçado, existiria a intenção de regulamentar a prostituição para resolver os problemas das mulheres, algo que segundo a Marcha não acontece e, na verdade, só legitima mais a exploração e despenaliza os cafetões. A Defensora Pública Ana Rita aponta outro fator importante, que é o da liberdade de escolha da mulher que decide se prostituir: "a escolha em ser profissional do sexo é sempre viciada, haja vista que nenhuma mulher que tenha outra opção escolheria se prostituir”.

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